quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Caminho do Sol - Dia 4 - Capivari à Monte Branco (Piracicaba)

Há uns anos, fui submetido a uma avaliação psicológica que me fugiu o nome, em uma empresa que trabalhei. Não me lembro bem, mas o meu resultado dizia que sou uma pessoa levemente extrovertida, porém em qualquer situação de estresse me fecho e me torno introvertido.

Na estrada, isso se revelou um defeito quando pensei ter errado o caminho no segundo dia. Ao invés de esperar alguém passar e perguntar, tentei resolver dando meia volta até um ponto de apoio. Me ferrei porque tive que pegar um trecho íngreme e perigoso duas vezes. Neste quarto dia, tive que ignorar este defeito para poder chegar a salvo.
Here comes the Sun, tchurururuh...

O dia começou com uma salada de frutas. Foi ótimo, pois nunca tenho fome de manhã e a salada foi um kit nutritivo bacana. Me despedi da Fazenda Milhã ainda amanhecendo, com alguns cachorros fazendo algazarra e com uma brisa fresca. Meu destino era um lugar chamado Monte Branco, que no guia dizia ser um bairro de Saltinho. E lá fui eu, saindo da fazenda por uma estrada bem arenosa e horrível de pedalar. Tive que descer da bike e empurrar algumas centenas de metros até começar o cascalho. Alguns km depois chego numa rodovia e na entrada da cidade de Capivari. Uma placa dizia queesta era a cidade de Tarsilla do Amaral. Saber que ela era da roça explica a genialidade no modo que ela retratou o campo e o trabalhador brasileiro.

Placas na entrada da cidade.
Entro na cidade, não muito diferente de todas as outras que passei e alguns km à frente já estava na saída da rodovia, para seguir caminho até Mombuca. Aqui haviam duas opções: ir pelos tediosos canaviais encarar muitas pedras, ou seguir pela rodovia. Meus doloridos pés ficaram com a segunda opção. Neste trecho cruzei um speedeiro, solícito e rápido: perguntou se estava tudo bem, e mal deu tempo de dizer que sim e ele já estava longe rs.

Lanchinho
Chegando na minúscula Mombuca, passo por uma feira onde compro três bananas e uma cenoura. Paro numa praça e como a cenoura e uma das bananas. Estive na companhia de um gato e um cachorro, cada um num canto da praça e ambos olhando para mim. Foi uma situação engraçada ver cada um no seu território, aguardando desesperadamente por algo que eu pudesse dar. Coração apertou, mas fica para uma próxima.

Dando carona para a fauna local.
Saio de Mombuca por uma estrada bem pavimentada. Aqui também era um trecho alternativo do Caminho do Sol, pois a parada do Clube Arapongas não abre para os ciclistas. Com meus pés doloridos, o asfalto era a coisa mais linda. A estrada era ótima, empurrei em alguns trechos mas a pedalada rendeu. Comi a maçã que havia guardado no dia anterior e fui seguindo viagem. Estava com 50% de água.
Moça descansando.

Em dado momento, tive que pegar uma via de terra pois uma ponte estava interditada. Aqui começou o perrengue. Entrei por um caminho horrível, improvisado e íngreme. Só uma descida e depois somente subidas intermináveis. Mais à frente desemboco no caminho dos peregrinos, ou seja, estava na rota pauleira. Sol, sol e sol. Água quente, ainda assim restando apenas mais um gole. Vim bem carregado de água, uns três litros ou mais. Mas foi tudo! Passo por uma igreja totalmente fechada, nem torneira do lado de fora. Não tinha perspectivas de quando iria encontrar alguém, há mais de uma hora que não via uma alma viva.

Algumas subidas e curvas acima, encontro um sítio, onde havia uma senhora dentro de uma estufa regando as plantas. Nesta hora tive que deixar a timidez de lado. Água ninguém nega, era isso ou insolação... ou coisa pior. Timidez idiota a minha, a mulher me tratou como um filho, pegou água do congelador e me deu, enchi minhas reservas e ela sorria, feliz em me ajudar. Confesso que fiquei emocionado, não consegui dizer "obrigados" e "Deus te abençoes" suficientes para aquela anja.

Jamais acredite nesta placa.


Logo após me recompor eu continuei a viagem. Após uma curva, havia uma placa toda animadora: "Sorria, é só uma subidinha!". Subidinha né... acho que estou subindo ela até agora! Cansado como estava, eu fiz esta "subidinha" em três prestações.
Tá aí a @#$#% da subidinha.
Finalmente a estrada de terra termina e caio novamente no asfalto! Parei pra almoçar um frango delicioso em um restaurante chamado Packer. Nesta hora descubro que perdi o pacote com as outras bananas que havia comprado! De lá, ao invés de seguir a rota oficial do Caminho do Sol, novamente eu opto pelo asfalto e subo a rodovia sentido Saltinho. 10 km depois, chego na cidade e começo a procurar o bairro de Monte Branco. Para o meu desespero, descubro que o guia estava novamente errado. Monte Branco é um bairro rural de Piracicaba, não tinha nada a ver com Saltinho. Estava fora da rota uns 25 km, para ser orimista.
Doce ilusão de que eu estava chegando.

Já era umas 16 horas e lá fui eu, por uma estrada secundária, cansado mas ainda vivo. A estrada era bonita, reta e quase toda plana. A pedalada rendeu no começo mas o cansaço começou a apertar. Perguntava para todos que encontrava no caminho se eu estava no rumo certo. Até o momento que cheguei num bairro chamado Serrote e parei num boteco para comprar água. Nesta hora, não conseguia pedalar mais. Apelei por ajuda, e ofereci um money pra um cara com uma caminhonete me levar os últimos 8 km até Monte Branco. Descobri que minha timidez vai embora conforme minhas necessidades gritam. Seja por água, seja por carona. É o cicloturismo me ensinando.

Se não estivesse tão exausto, ia querer provar uma dessa marvada.
Cheguei numa chácara chamada Cantinho Feliz, onde o Sr Jesus e sua mulher Adriana me receberam muito bem. Local simples e família cativante. Logo que cheguei, eles colocaram uma jarra de suco de acerola com banana, estupidamente gelado e delicioso! Acerolas colhidas no próprio quintal. Nesta chácara, viviam harmoniosamente galinhas, papagaio, periquito, cachorro e gato. Um ecossistema perfeito. Uma das filhas do casal fazia massagem terapêutica, achei uma boa fazer, depois de tantas cãibras. Doeu! A menina só mexeu do joelho pra baixo, mas doeu demais! E como por um passe de mágica, depois desta massagem não tive mais cãibras nem dores nos músculos. Sobraram apenas as dores nas solas dos pés, por conta das pedras.
Cantinho Feliz, a Chácara feliz do Sr. Jesus e Adriana.

Janta servida, deliciosa. A noite foi boa, com muita prosa e histórias do Sr. Jesus. Junto com o Armazém do Limoeiro, o Cantinho Feliz foi o lugar mais cativante da minha viagem.

Hora de dormir. Sono veio rápido. O dia seguinte foi o dia da chegada, e do início de uma nova vida para mim.

Quarta, 5 de Fevereiro de 2014
Km pedalados: perdi a referência, mas foram mais de 70.
Baixas: duas bananas.
Ouvindo: histórias e causos.

2 comentários:

  1. Revi o post inicial, da preparação. E agora,vendo o relato real, foi inevitável lembrar do saudoso Joelmir Beting: "Na prática a teoria é outra..."

    Benvindo ao mundo real, Gabriel!

    Sob outro aspecto, eu também sofri um pouco com minha introversão (sou fechado mesmo) e até uma certa autosuficiência arrogante: no início relutava muito em PEDIR uma ajuda, até informações, achava que resolveria tudo sozinho...

    Estou aguardando o desfecho da grande aventura. Por curiosidade: a sola do tênis que usou deve ser muito fina, para todas as dores que relatas. Eu não tive esse problema, nem cãimbras. Você fazia aquecimento sempre, antes de iniciar o pedal?

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  2. Cesar, o tênis que uso é um Rainha Volei. Gosto dele por ser de pano e ter uma sola fininha, assim sendo bem leve e prático. Para a cidade ele é ótimo por conta destas características, mas se revelou inapto à terra. Erro de planejamento, pois não considerei que boa parte da viagem eu passaria empurrando a bike por estradas de cascalho. Como você disse: bem-vindo ao mundo real! hahahah

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