sexta-feira, 8 de maio de 2015

Futebol de rua, tijolos e ensinamentos.

Fugindo um pouco do assunto bicicleta…



Lembro de muita coisa boa da minha infância, que me ajuda nos dias atuais.

Lembro dos tempos que jogava bola na rua, riscando tijolos no asfalto para demarcar as áreas, o meio de campo e ainda usávamos eles como traves. Como sempre havia uma construção por perto, a oferta de tijolos supria nossa demanda (às vezes fortalecia nossas pernas, afinal, correr de pedreiro não é fácil!).

Lembro que sempre passava pela nossa rua um moço sério, aspecto europeu, porém com olhar concentrado que nem olhava para os lados. Passos rápidos, sequer olhava para o lado para nos cumprimentar. E isso era um incômodo, algo estranho. Afinal, na São Paulo dos aos 80 ainda era comum as pessoas se cumprimentarem.

Os anos passaram, o futebol de rua com tijolos continuava. Os campos passaram a ficar maiores, afinal, a gente crescia. A bola, antes uma qualquer dente de leite, agora era de capotão e mais pesada. Bem, a gente crescia e chutava mais forte né? Só duas coisas não mudaram: os tijolos e o moço sério e mal educado.

Depois de um tempo, largamos a vida clandestina de roubar tijolos ao pintarmos o campinho no asfalto. Portanto, o moço sério passou a ser a única coisa que permanecia do mesmo jeito: passava por nós, com olhar concentrado e jamais cumprimentava.

Mais anos passaram. Confesso que não lembro quando que deixamos de jogar bola para “dar bola” para garotas! Foi uma época divertida. Viajávamos, íamos pra balada, tomávamos nossos primeiros porres, aprendemos a dirigir, ficávamos “de boa” conversando na calçada madrugada adentro… mas uma coisa não mudou: o moço, agora um homem de uns 30, 40 anos. Concentrado, silencioso e a passos largos.

Até que certo dia, às vésperas do Natal, ele passou perto de nós e eu arrisquei:
“- Feliz Natal!”
Ele tomou um susto! Virou e olhou para mim, com os olhos arregalados. Segundos depois, disse:
“- Feliz Natal pra você também!”

Foi a deixa pra ele sempre parar pra conversar com a gente, até darmos algumas risadas juntos. Descobrimos que ele se chamava Robson, estudava engenharia em Mogi. Percebemos que ele era especial. Enfim, bastou um aceno para uma amizade surgir com a turma toda. A gente era bem bobo, brincava muito com ele. Confesso que às vezes de maneira errada. Adolescentes noventistas não eram perfeitos.

Mas finalmente podíamos dizer: tudo mudou.

E com tudo mudando, nossa turma aos poucos se dissipou. Crescemos, tiramos carta, entramos em ETE, faculdade… daí cada um seguiu um rumo na vida. Toda galera tem aquele que namora e some. O que vira crente e desaparece. Fora os que passaram a andar com outras turmas. Acho que eu fui um desses.

Tempos depois, o nosso amigo Robson teve um problema de saúde e também nos deixou. Foi triste. Pelo menos tivemos a felicidade de saber seu nome, acredito que ele gostou de nos ter como amigos também.

Hoje mantenho contato com algumas das pessoas dessa época. Sinto saudades, mas não viveria nada de novo. Cada época é pra ficar guardada no coração, nas lembranças. Tiramos dessas lembranças lições que servem para a vida toda.

E uma dessas lições aprendi com o Robson: não fazer pré-julgamentos. Aquele moço sério que aparentava ser mal educado era apenas uma pessoa solitária e tímida, que assim que viu uma janela aberta passou a deixá-la sempre assim. Quantas vezes julgamos alguém pelo que ela aparenta? Eu mesmo já fui chamado de “metido” pela minha timidez. Às vezes, pelo meu modo de falar, pareço arrogante.

Mas enfim, sempre aprendendo. Espero poder um dia ensinar também. Pra isso, carrego essas lembranças no coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário